segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Capitulo 1 - A convenção

Pode parecer estranho agora, mas jamais pensávamos que a velhice chegaria para todos nós. Nossos feitos podem até correr ao lado dos sete ventos e ecoar por todos os locais do grande continente, mas nós, enfim obtivemos nosso merecido descanso após os vários anos de lutas incessantes.  Quando nos separamos criamos uma tradição,  combinamos que no minimo uma vez por ano viajaríamos até a cidade de Marula para nos reunirmos na taberna "O Mandrião" afim de relembrar as façanhas de outrora, façanhas estas que se não pelos bardos e trovadores já teriam sido esquecidas por nossas memorias, relembramos e honramos também aqueles que se juntaram a nossa causa e deram seu sangue nas batalhas mas que por motivos maiores, Urvain convocou para lutar ao seu lado. Ao longo destes anos perdemos muitos companheiros, seja no calor da batalha, pelo cansaço e pelas mais diversas doenças ou apenas por estes terem se distanciado ou traçado um caminho diferente do nosso,  por isso sempre que podíamos guardávamos ou trocávamos um de nossos troféus de batalha, para que eles de algum modo estejam conosco e para que possam ser relembrados mesmo após sua partida.
Posso dizer com certeza que conhecemos todos os cantos do grande continente, desde os campos mais belos, onde as flores, as arvores, os animais, sol e os homens se relacionam em harmonia até os calabouços e masmorras mais escuros e assustadores, onde habitam as criaturas mais vis e cruéis que já foram vistas, onde as sombras são o berço do mal, onde vários outros aventureiros jamais ousaram entrar e até hoje tremem apenas de ouvir seus nomes.



Eu gostaria de lembrar com exatidão os detalhes de quando começamos a viajar juntos, eu lembro que tudo começou quando um rei, Arthuria, se não me engano, nos recrutou oferecendo-nos uma quantidade irrecusável em moedas de prata, nossa missão era bastante simples, verificar o porque de os orcs estarem trespassando o limite estipulado pelo tratado de Mulok'ai, onde o homem artificial criado pelos sete reinos, uma espécie de embaixador e o príncipe orc Mulok'ai decidiram que não haveria mais invasões aos territórios das raças. Lembro também que durante uma reunião reconheci vários rostos familiares, alguns lutaram na guerra de fronteira, outros lutaram em alguns conflitos entre os próprios reinos, mas todos eram de certa forma experientes, exceto por um menino que naquele momento acreditei que fosse algum tipo de escudeiro ouvindo tudo com atenção para repassar as informações a seu mestre...eu teria uma surpresa a respeito disto mais tarde.
A estrutura do castelo era magnífica, o salão contava com dois andares de onde os nobres nos olhavam, as tochas iluminavam muito bem a sala e o silencio era o imperador naquele momento, os passos dos serviçais eram como os grilos do campo em uma noite calma, nós guerreiros nos mantínhamos quietos, apenas observando, conversando uns com os outros através dos olhares sem que fosse necessária a pronuncia para que entendêssemos o que cada um estava pensando,  vez ou outra era possível ouvir algum dos lordes murmurando ou falando nos ouvidos de outro, eu não sei o que diziam mas certamente não eram elogios. Estávamos dentro do castelo ao redor da formidável mesa de carvalho negro de Arthuria, produzida por ninguém menos que Luvaris o maior mestre artesão que já existiu em todo o grande continente, a nossa frente haviam pratos, taças e pelo menos uma dezena de talheres de prata produzidos na cidade de Indigo, eu mesmo não sabia o que fazer com tantos talheres e tenho certeza que muitos deles sumiram ao fim do encontro.  Como era de se esperar o rei não poupou recursos e após alguns minutos sentados, a mesa estava abastada de comida. Podíamos escolher entre frutas e legumes de todos os tipos, pães e massas tanto quando quiséssemos e ao menos três tipos diferentes  da carne do gado mais saboroso do reino estavam expostos sobre a mesa, sem contar com ensopado de galinha e o leitão assado mais suculento que eu já tinha visto em toda a minha vida. Em um estalar de dedos os servos do castelo nos traziam o tipo de bebida que quiséssemos,  hidromel das mais variadas frutas, vinhos dos mais refinados, cervejas do povo anão - iguaria raríssima no grande continente -, ainda contavam com uma vasta gama de licores para qualquer um que quisesse algo mais leve para a noite.  Estávamos completamente cercados pela nobreza que nos olhava com um certo desprezo, percebi que muitos lordes que ali se encontravam regularmente, jamais haviam sentado naquela mesa, a famosa mesa de carvalho negro de Arthuria, produzida a partir de uma espécie raríssima de carvalho que segundo uma antiga lenda leva mais de 300 anos para atingir a idade e por consequência a coloração enegrecida, para aquelas pessoas, eramos indignos de estarmos na mesma sala que eles, indignos de estarmos bebendo e comendo da comida real.
Estávamos todos prontos para começarmos a comer ao maior estilo bárbaro, com as próprias mãos, eu lembro de uns dois ou três que de um modo desajeitado pegaram os talheres, foi quando ouvimos o som das cornetas que indicavam a chegada do soberano daquelas terras, o monarca da cidade de Ultaran, conhecido como um dos mais sábios de todo o continente, portador da espada de Sinamon, espada esta que de derrotou Arok'gath o Orc Sombrio, era difícil imaginar a imagem de tal pessoa, por um lado pensava que poderia ser um homem grisalho já com uma idade avançada e por outro lado um guerreiro formidável que derrotou em uma luta honesta, homem contra homem o Orc mais temido das terras geladas, eu não conseguia imagina-lo, contudo não demorou muito para que a porta se abrisse, Embora suas histórias fossem épicas, o homem em si era bem comum, cabelos castanhos curtos, talvez um início de calvície, uma barba muito bem feita e serrada, as sobrancelhas grossas davam ao rei um aspecto de seriedade em seu rosto, não era difícil ver algumas rugas também, afinal Arthuria já havia passado dos quarenta e cinco anos, mas o aspecto comum termina por aí, até porque, sua tabarda demonstrava sua descendência  nobre, seu sangue puro carregava simbolo do sol, o brasão da família real de Ulteran,  muitas lendas era contadas a respeito da preparação dos herdeiros do trono de Ulteran, a maior parte delas falava sobre o Monastério Solaris, em suma era uma história que dizia que quando atingem cinco anos de idade, os filhos mais velhos da familia real são enviados para este monastério, onde aprendem a lutar e a pensar como reis, até onde esta história era real nós não sabíamos naquela época.
Ficamos esperando até que nossa missão fosse entregue, eramos 8 pessoas e o escudeiro, estávamos esperando que o rei começasse a falar, eu particularmente estava ansioso para ouvir as palavras de uma pessoa tão notável, a maioria de nós esperava atento, haviam muitos guardas ao nosso redor e não foi difícil perceber o desconforto de alguns dos homens que estavam ali, quanto mais tempo o rei permanecia em silencio maior ficava a tensão e o stress dos guerreiros, foram os 15 segundos mais longos da minha vida. Logo houve movimentação, um dos homens que entrara na sala ao lado do rei se aproximou da mesa, levou a mão em sua cintura e removeu de seu cinto um porta mapas, retirou sua tampa e por fim mostrou um mapa que vagarosamente estendeu por cima da mesa, era um mapa comum da área aos arredores de Ultaran com uma marcação em X próximo as margens do rio Grotho.
"- Boa noite digníssimos cavalheiros." Disse o homem enquanto olhava para o segundo andar da corte.



"- E para todos os outros que aqui se encontram, vou explicar-lhes sua missão."
Era possível ouvir os risos no andar de cima, o grupo de guerreiros que estava sentado ao meu redor pouco se importou com tais palavras e logo um deles falou, em alto e bom som.
"-Já estamos esperando a quase uma hora, você e esta corja de roedores que estão no andar de cima tem previsão de quando chegarão no assunto?"
Logo os outros começaram a murmurar e houve uma inquietação na mesa, inquietação que foi atenuada com a chegada de Blaron, o comandante dos exércitos do norte, o único homem que enfrentou Arok'Gath e sobreviveu para contar a história, eu lembro que antes da batalha contra Arok, Blaron já era reconhecido por ter comandado o exercito na batalha de Irsunvar, onde os exércitos do continente foram surpreendidos pelo exercito Orc, O exercito do continente venceu a batalha fugindo pelo túnel e enfrentando os orcs em território reduzido obrigando-os a lutar em terreno improprio para sua altura.
Eu particularmente respeitava muito sua pessoa, em todas as vezes que nos encontramos sempre foi um homem honrado e que tratava seus homens com respeito, pouco se importava com sua patente de nobreza e parecia um camponês quando não estava batalhando, um legitimo líder, mas infelizmente a idade já lhe maltratava na época que o conheci, já devia ter pelo menos 50 anos, destes pelo menos 30 foram em incansáveis batalhas que por muitas vezes lhe carregavam um pouco de sua saúde.
"- Boa noite formidáveis guerreiros, sua presença aqui animam minhas expectativas de sucesso desta expedição." Disse Blaron com um sorriso no rosto."
Nenhum guerreiro naquela mesa ousaria destratar o comandante dos exércitos do norte, uma vez que muitos dos que estavam presentes haviam lutado ao lado de Blaron nas guerras da fronteira, remanesceram quietos ouvindo cuidadosamente a explicação da até então desconhecida expedição.
"- Se não fosse pela grande quantidade de prata, eu sei que alguns de vocês não estariam aqui hoje. Eu entendo de certa forma o ódio de vocês pela realeza e pela nobreza, mas hoje precisaremos deixar nossas diferenças de lado, pois não é apenas a nobreza ou realeza que está precisando de nossa ajuda, estamos trabalhando em prol dos cidadãos da região nórdica do continente e também para mantermos a paz."
Um dos homens, vagarosamente se levantou e retirou-se do salão, antes de passar pela porta disse:
"- Nem a prata, nem qualquer coisa que estas cobras vestidas com roupas elegantes me ofereçam trará de volta o que este reino me tirou, portanto espero que os orcs queimem esta maldita cidade..."
Blaron ouviu as palavras e engoliu seco a ofensa mas nada disse a respeito, o chanceler por sua vez se aproximou de dois guardas e falou algo, de onde eu estava foi impossível ouvir, assim que o chanceler se afastou os dois guardas começaram a caminhar na direção do homem, foi quando o comandante com um olhar ameaçador falou em alto e bom som:
"- Alto lá! seus bastardos desonrados, vocês dois irão atrás dele? - colocando na frente dos guardas - se ousarem tocar em um fio de cabelo de Urmur, eu prometo que não apenas vocês dois mas, Bartolomeu - olhando fixamente para o chanceler -  este pedaço de lixo imundo que vos ordenou tal atrocidade, conhecerão a cela mais escura e tenebrosa das masmorras da cidade de Ultaran."
Este som ecoou pela sala e mesmo os nobres se sentiram ameaçados, o rei sorriu como se já esperasse tal atitude mas não se pronunciou. Este era o "poder" do comandante dos exércitos do norte, o poder de subjugar mesmo o mais alto cargo de nobreza da corte, o poder de assustar até mesmo os "intocáveis", este era o poder de Blaron, o Juiz.
Eu pude notar na aparência dos guerreiros que ali estavam, o furor, a motivação crescendo dentro deles, a vontade de seguir o homem que trouxe as terras  nórdicas a vitória nas guerras congelantes, não demorou muito para que ele começasse a falar sobre a missão.
"- Antes de explicar-lhes a missão, recebam a primeira parte de seu pagamento, o valor de 500 moedas de prata."
Os homens murmuraram entre eles, posso garantir que muitos deles pensaram o mesmo que eu, quem quisesse poderia desistir e viver uma vida sossegada uma vez que aquilo era prata suficiente para comprar uma bela porção de terras na região sul do continente, onde as terras seriam mais produtivas e a paz imperava a pelo menos 50 anos, muitos se olharam com um sorriso no rosto, aquilo foi a motivação que faltava para que os homens começassem a ansiar pelo inicio da expedição.
"Agora que o pagamento foi feito, explicar-lhes-ei a vossa missão. Como vocês já devem saber as terras do norte precisam da água do rio Grotho para existir, caso contrário as fazendas próximas a região dos lagos deixarão de existir e nossa comida diminuirá drasticamente. Acontece que já  a alguns meses o povo orc vem construindo uma grande represa capaz de bloquear completamente a corrente do rio, com o objetivo de mudar o curso natural e isto afetará a produtividade das terras da região dos lagos, que é a maior produtora de suprimentos do reino."





Uma segunda rodada de bebida foi servida, a grande maioria aceitou a cerveja anã, com exceção de apenas um dos integrantes da mesa que recusava bebida pela segunda vez, talvez quisesse estar sóbrio para ouvir a proposta, talvez não fosse fã de bebidas, o certo é que eu o conhecia de algum lugar, talvez das guerras de fronteira, mas não conseguia lembrar seu nome.


"Como não houve nenhuma pergunta, acredito que todos aceitam seu quinhão antecipado e por consequência a participação na expedição, peço para que todos que realmente tiverem interesse compareçam ao nascer do sol em frente ao estábulo das areias em frente a taberna do porco enfeitado." Disse Blaron esperando ouvir algum tipo de reclamação ou objeção que por fim acabou não existindo, então continuou "Lembrem-se que mesmo estando os orcs trespassando os limites estipulados pelo tratado não significa que nós precisamos quebra-lo também, o objetivo da missão não é destruir as forças orc no local marcado mas destruir a represa, se for possível expulsar os orcs sem a necessidade de entrarem em conflito esta deverá ser a decisão tomada, uma vez que uma guerra entre os dois povos iria causar derramamento de sangue desnecessário."  Por sua expressão dava pra notar que Blaron não acreditava em um acordo ou qualquer outra opção se não uma batalha sangrenta entre os orcs e os guerreiros mas acredito que suas palavras eram verdadeiras e sua intenção era de não criar nenhum conflito entre as duas raças.




Após ouvir estas palavras saudei Blaron e brindei em nome do rei, para que tornasse minha saída menos abrupta, tinha muitos afazeres para aquela noite, precisava preparar minhas provisões e meus equipamentos para a expedição, queria ainda passar em um dos meretrícios para sentir o calor de um corpo de mulher, pois segundo meus cálculos levaria em média 28 a 30 dias para que pudêssemos chegar até a represa e pelo menos o dobro disto para retornarmos

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